Papa Bento XVI
Silêncio e palavra: caminho
de evangelização
Amados irmãos e irmãs,
Ao aproximar-se o Dia Mundial das Comunicações
Sociais de 2012, desejo partilhar convosco algumas reflexões sobre um aspecto
do processo humano da comunicação que, apesar de ser muito importante, às vezes
fica esquecido, sendo hoje particularmente necessário lembrá-lo. Trata-se da
relação entre silêncio e palavra: dois momentos da comunicação que se devem equilibrar,
alternar e integrar entre si para se obter um diálogo autêntico e uma união
profunda entre as pessoas. Quando palavra e silêncio se excluem mutuamente, a
comunicação deteriora-se, porque provoca um certo aturdimento ou, no caso
contrário, cria um clima de indiferença; quando, porém se integram
reciprocamente, a comunicação ganha valor e significado.
O silêncio é parte integrante da comunicação e,
sem ele, não há palavras densas de conteúdo. No silêncio, escutamo-nos e
conhecemo-nos melhor a nós mesmos, nasce e aprofunda-se o pensamento,
compreendemos com maior clareza o que queremos dizer ou aquilo que ouvimos do
outro, discernimos como exprimir-nos. Calando, permite-se à outra pessoa que
fale e se exprima a si mesma, e permite-nos a nós não ficarmos presos, por
falta da adequada confrontação, às nossas palavras e ideias. Deste modo abre-se
um espaço de escuta recíproca e torna-se possível uma relação humana mais
plena. É no silêncio, por exemplo, que se identificam os momentos mais
autênticos da comunicação entre aqueles que se amam: o gesto, a expressão do
rosto, o corpo enquanto sinais que manifestam a pessoa. No silêncio, falam a
alegria, as preocupações, o sofrimento, que encontram, precisamente nele, uma
forma particularmente intensa de expressão. Por isso, do silêncio, deriva uma
comunicação ainda mais exigente, que faz apelo à sensibilidade e àquela
capacidade de escuta que frequentemente revela a medida e a natureza dos laços.
Quando as mensagens e a informação são abundantes, torna-se essencial o
silêncio para discernir o que é importante daquilo que é inútil ou acessório.
Uma reflexão profunda ajuda-nos a descobrir a relação existente entre
acontecimentos que, à primeira vista, pareciam não ter ligação entre si, a
avaliar e analisar as mensagens; e isto faz com que se possam compartilhar
opiniões ponderadas e pertinentes, gerando um conhecimento comum autêntico. Por
isso é necessário criar um ambiente propício, quase uma espécie de
«ecossistema» capaz de equilibrar silêncio, palavra, imagens e sons.
Grande parte da dinâmica atual da comunicação é
feita por perguntas à procura de respostas. Os motores de pesquisa e as redes
sociais são o ponto de partida da comunicação para muitas pessoas, que procuram
conselhos, sugestões, informações, respostas. Nos nossos dias, a Rede vai-se
tornando cada vez mais o lugar das perguntas e das respostas; mais, o homem de
hoje vê-se, frequentemente, bombardeado por respostas a questões que nunca se
pôs e a necessidades que não sente. O silêncio é precioso para favorecer o
necessário discernimento entre os inúmeros estímulos e as muitas respostas que
recebemos, justamente para identificar e focalizar as perguntas verdadeiramente
importantes. Entretanto, neste mundo complexo e diversificado da comunicação,
aflora a preocupação de muitos pelas questões últimas da existência humana:
Quem sou eu? Que posso saber? Que devo fazer? Que posso esperar? É importante
acolher as pessoas que se põem estas questões, criando a possibilidade de um
diálogo profundo, feito não só de palavra e confrontação, mas também de convite
à reflexão e ao silêncio, que às vezes pode ser mais eloquente do que uma
resposta apressada, permitindo a quem se interroga descer até ao mais fundo de
si mesmo e abrir-se para aquele caminho de resposta que Deus inscreveu no
coração do homem.
No fundo, este fluxo incessante de perguntas
manifesta a inquietação do ser humano, sempre à procura de verdades, pequenas
ou grandes, que dêem sentido e esperança à existência. O homem não se pode
contentar com uma simples e tolerante troca de cépticas opiniões e experiências
de vida: todos somos perscrutadores da verdade e compartilhamos este profundo
anseio, sobretudo neste nosso tempo em que, «quando as pessoas trocam
informações, estão já a partilhar-se a si mesmas, a sua visão do mundo, as suas
esperanças, os seus ideais» (Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações
Sociais de 2011).
Devemos olhar com interesse para as várias formas
de sítios, aplicações e redes sociais que possam ajudar o homem atual não só a
viver momentos de reflexão e de busca verdadeira, mas também a encontrar
espaços de silêncio, ocasiões de oração, meditação ou partilha da Palavra de
Deus. Na sua essencialidade, breves mensagens – muitas vezes limitadas a um só
versículo bíblico – podem exprimir pensamentos profundos, se cada um não
descuidar o cultivo da sua própria interioridade. Não há que surpreender-se se,
nas diversas tradições religiosas, a solidão e o silêncio constituem espaços
privilegiados para ajudar as pessoas a encontrar-se a si mesmas e àquela
Verdade que dá sentido a todas as coisas. O Deus da revelação bíblica fala
também sem palavras: «Como mostra a cruz de Cristo, Deus fala também por meio
do seu silêncio. O silêncio de Deus, a experiência da distância do Onipotente e
Pai é etapa decisiva no caminho terreno do Filho de Deus, Palavra Encarnada.
(...) O silêncio de Deus prolonga as suas palavras anteriores. Nestes momentos
obscuros, Ele fala no mistério do seu silêncio» (Exort. ap. pós-sinodal
Verbum Domini, 30 de Setembro de 2010, n. 21). No silêncio da Cruz, fala a
eloquência do amor de Deus vivido até ao dom supremo. Depois da morte de
Cristo, a terra permanece em silêncio e, no Sábado Santo – quando «o Rei dorme
(…), e Deus adormeceu segundo a carne e despertou os que dormiam há séculos»
(cfr Ofício de Leitura, de Sábado Santo) –, ressoa a voz de Deus cheia de amor
pela humanidade.
Se Deus fala ao homem mesmo no silêncio, também o
homem descobre no silêncio a possibilidade de falar com Deus e de Deus. «Temos
necessidade daquele silêncio que se torna contemplação, que nos faz entrar no
silêncio de Deus e assim chegar ao ponto onde nasce a Palavra, a Palavra
redentora» (Homilia durante a Concelebração Eucarística com os Membros da
Comissão Teológica Internacional, 6 de Outubro de 2006). Quando falamos da
grandeza de Deus, a nossa linguagem revela-se sempre inadequada e, deste modo,
abre-se o espaço da contemplação silenciosa. Desta contemplação nasce, em toda
a sua força interior, a urgência da missão, a necessidade imperiosa de «anunciar
o que vimos e ouvimos», a fim de que todos estejam em comunhão com Deus (cf. 1
Jo 1, 3). A contemplação silenciosa faz-nos mergulhar na fonte do Amor, que nos
guia ao encontro do nosso próximo, para sentirmos o seu sofrimento e lhe
oferecermos a luz de Cristo, a sua Mensagem de vida, o seu dom de amor total
que salva.
Depois, na contemplação silenciosa, surge ainda
mais forte aquela Palavra eterna pela qual o mundo foi feito, e identifica-se
aquele desígnio de salvação que Deus realiza, por palavras e gestos, em toda a
história da humanidade. Como recorda o Concílio Vaticano II, a Revelação divina
realiza-se por meio de «ações e palavras intimamente relacionadas entre si, de
tal modo que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam
e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as
palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido»
(Const. dogm. Dei Verbum, 2). E tal desígnio de salvação culmina na pessoa de
Jesus de Nazaré, mediador e plenitude da toda a Revelação. Foi Ele que nos deu
a conhecer o verdadeiro Rosto de Deus Pai e, com a sua Cruz e Ressurreição, nos
fez passar da escravidão do pecado e da morte para a liberdade dos filhos de
Deus. A questão fundamental sobre o sentido do homem encontra a resposta capaz
de pacificar a inquietação do coração humano no Mistério de Cristo. É deste
Mistério que nasce a missão da Igreja, e é este Mistério que impele os cristãos
a tornarem-se anunciadores de esperança e salvação, testemunhas daquele amor
que promove a dignidade do homem e constrói a justiça e a paz.
Palavra e silêncio. Educar-se em comunicação quer
dizer aprender a escutar, a contemplar, para além de falar; e isto é
particularmente importante paras os agentes da evangelização: silêncio e
palavra são ambos elementos essenciais e integrantes da ação comunicativa da
Igreja para um renovado anúncio de Jesus Cristo no mundo contemporâneo. A
Maria, cujo silêncio «escuta e faz florescer a Palavra» (Oração pela Ágora dos
Jovens Italianos em Loreto, 1-2 de Setembro de 2007), confio toda a obra de
evangelização que a Igreja realiza através dos meios de comunicação social.
Vaticano, 24 de Janeiro – Dia de São
Francisco de Sales – de 2012.
BENEDICTUS PP XVI
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